Essa missão é uma iniciativa do movimento cristão Caminho da Graça e foi idealizada no fim do ano passado com o objetivo de ajudar crianças na Nigéria que estão sendo acusadas de bruxaria por pastores evangélicos no país. Eles as acusam de serem a razão da pobreza material, problemas de saúde e tudo de ruim que possa acontecer às suas famílias. Sendo assim, seus próprios pais estão torturando-as para "expulsar" o feitiço de seus corpos, chegando ao ponto de algumas vezes serem abandonadas ou mortas. Estas crianças são expulsas de casa e perambulam pelas ruas. São agredidas enquanto dormem, violentadas, espancadas, queimadas vivas ou mantidas amarradas a arvores até que venham a morrer. Tudo porque julgam que tais inocentes carregam uma capacidade de enfeitiçar a vida daqueles com quem com eles cruzam. De 2007 para cá, essa onda maligna já fez mais de cinco mil vítimas.
Nosso objetivo principal foi de levar o verdadeiro Evangelho de Jesus para aqueles que estão torturando e matando crianças em seu nome a fim de acabar com essa insanidade religiosa. Outro foco seria de alugar uma casa para termos como base na própria Nigéria para futuras missões e finalmente, levaríamos o surf ao país para as crianças, e iniciaríamos uma escolinha para que elas pudessem se desenvolver através do esporte e criar uma conscientização ambiental na região.

A jornada foi longa, depois de ir para Guarulhos e ficar mais de cinco horas esperando no aeroporto, peguei um vôo de nove horas para Johanesburgo na África do Sul. Dormi uma noite lá e enfrentei um frio de 3 graus para seguir viagem no dia seguinte com um vôo de seis horas para Lagos na Nigéria. No dia seguinte outro vôo para o estado de Akwa Ibom e mais uma viagem de carro para chegarmos a Eket nosso destino final. Depois de dois dias viajando, quatro vôos e mais uma hora de carro, cheguei na nossa frente de trabalho e organizamos nossos objetivos com a equipe de trabalho local composta por Emmanuel, motorista e nosso guia, Diana que é assistente Social da ONG Stepping Stone Nigeria junto com a Mfon, o Jackson professor do evangelho para crianças e Victor e Jehu voluntários na CRARN - Child Rights and Rehabilitation Network, outra ONG inglesa que mantém um orfanato que acolhe as crianças abandonadas no estado de Akwa Ibom. A primeira coisa que fizemos foi ter de pedir a “benção” da polícia e da imigração nigeriana.

Recomendação feita pela Diana que nos levou às autoridades para explicarmos o que iríamos fazer na região. Apesar da corrupção no país ser generalizada, todos os chefes de polícia e imigração agradeceram nossa intenção, e fizeram recomendações de segurança em relação aos frequentes sequestros e homicídios que acontecem por lá. Em seguida fomos ao orfanato da CRARN alugamos uma van e levamos dezoito crianças para a praia pra surfar. De início tivemos que enfrentar um problema, as quilhas das pranchas que o Jojó levou para dar aula extraviaram no vôo para Lagos. Nossa solução foi ir a um carpinteiro local e improvisar com a confecção de duas quilhas de madeiras para dar estabilidade às pranchas.

Chegando na praia, a alegria da criançada estava estampada nos sorrisos de todas elas. Jojó iniciou a aula com uma breve explicação sobre o posicionamento na prancha durante a remada e no momento de ficar em pé. E toda essa didática foi observada e aprendida com atenção por Moses, um dos moradores de Ibeno Beach e que ficará cuidando da escolinha durante nossa ausência. Jojó tentou ser o mais democrático possível, mas algumas delas simplesmente não queriam sair da água e de cima da prancha. Algumas conseguiram surfar já na primeira tentativa e mostraram que levam jeito para o esporte e com certeza se continuarem praticando serão bons surfistas. A praia de Ibeno onde será a sede da escola do Waves Project fundada por Jojó, é excelente para aprendizagem do surf. As ondas são parecidas com as do nordeste brasileiro, pequenas e mexidas pelo vento constante, mas bem convidativas pela água quente durante o ano todo. Pena que nem tudo colabora para o uso da praia, Segundo alguns moradores, vazamentos de óleo são constantes devido ao descaso ambiental da empresa petrolífera que opera na região, todas as vezes que fomos à praia, a água estava com resíduos provenientes de petróleo, criando uma espuma marrom viscosa com um cheiro nada agradável. Além desse problema, há lixo em toda faixa de areia da praia. Não existem lixeiras e o povo tem o costume de jogar tudo no chão, existem milhares de tampinhas de garrafas de refrigerantes, canudos, latinhas, e todo tipo de lixo descartável e algumas vezes reciclável estão por toda parte.

Devido a essa triste situação, decidimos realizar um trabalho de conscientização ambiental com as crianças e moradores da praia de Ibeno.

Mandamos fazer cestas de palha para serem usadas como lixeiras na área comercial onde estão os quiosques, compramos madeiras e tintas para fazer placas com mensagens de conscientização ambiental e eu ainda faria uma palestra sobre sustentabilidade, tudo isso programado para nosso ultimo dia de missão, que ainda contaria com uma limpeza da praia realizada por nós e todas as crianças, mas até lá ainda tinhamos muitas coisas a fazer. Desde comprar remédios para o orfanato até alugar a nossa casa que serviria de base na cidade de Oron, onde mais cometem atrocidades contra as crianças.

Fomos até lá algumas vezes. uma hora de carro saindo de Eket, onde estávamos hospedados. Nos encontramos com o chefe da comunidade que também luta contra todos os crimes praticados na cidade, no término do nosso encontro, o “chief” Medekon nos agradeceu pelo nosso ideal, ficou de encontrar a casa para nós e nos ajudou a agendar uma reunião com vários pastores dessa cidade, onde praticamente todos pregam que crianças podem ser bruxas. Nossa idéia era de levar a luz do Evangelho naquela região com objetivo de acabar com todas as atrocidades cometidas por lá.

Até chegar o dia do encontro, compramos colchonetes para um outro orfanato da cidade de Eket que é administrado por um pastor e sua esposa, compramos remédios para o orfanato da CRARN, visitamos escolas, fomos e voltamos de Oron várias vezes, além de claro, levar a criançada para surfar. Mais de 150 crianças tiveram aulas de surf com o Jojó durante nossa estadia na Nigéria.

A Maresia doou roupas, e o João Salvador das lojas HB do Rio, colaborou doando lycras, parafinas e cordinhas para escolinha, duas pranchas funboards especialmente para iniciantes foram compradas e atualmente Moses, morador e primeiro surfista da praia de Ibeno é o responsável em tocar o Waves Project para as crianças. Em nosso último fim de semana nos reunimos com os pastores de Oron e muitos se conscientizaram que essa acusação de bruxaria praticada por crianças é um absurdo e uma atitude completamente diferente da de Jesus que disse que delas é o Reino dos Céus. Para encerrar nossa segunda missão no continente africano, realizamos um Clean Up Day em Ibeno Beach. Também fizemos palestras. Com o Léo Santos a respeito do verdadeiro evangelho de Jesus, com o Jojó sobre os benefícios do surf e eu falei a respeito da importância da conscientização ambiental e sustentabilidade para a toda a região. Nós dez dias que permanecemos no país, apesar de cansados pelas poucas noites de sono e fracos pela má alimentação feita basicamente de carne de cachorro.

Concluímos nossos objetivos, conseguimos uma base fixada em Oron, estabelecemos nossa escola de surf e plantamos semente do verdadeiro Evangelho no coração de muitos. No dia de voltar para o Brasil, o fiz com o sentimento de missão cumprida, mas de que muita coisa ainda precisa ser feita pelas crianças nigerianas e lembrei-me das palavras de Jesus no evangelho de Mateus: E, vendo as multidões, teve grande compaixão delas, porque andavam cansadas e desgarradas, como ovelhas que não têm pastor. Então, disse aos seus discípulos: A seara é realmente grande, mas poucos os ceifeiros. Rogai, pois, ao Senhor da seara, que mande ceifeiros para a sua seara.

Tiago Garcia
Videomaker de documentários de surfe


Texto escrito para a edição da revista Surfar