NOTICIÁRIO AL SAKHRA – De um carioca no Cairo
fevereiro de 2011

*os verdadeiros nomes foram omitidos

Amigos do Bem,
 
Depois da batalha de pedras na Praça (Tahrir) do Cairo ontem, essa noite foi longa para mim. A inquietação tomou conta do meu coração, portanto não dormi direito. Confesso que tive muito medo mesmo sabendo que Maior é o que esta em mim do que o que está no mundo.

E mesmo sabendo que o Amor lança fora todo o medo, esse medo me gerou um tormento.

Mas sei do meu amor por ELE e tenho pedido que Ele aperfeiçoe isso em mim nesse momento delicado.
 
Hoje estou um pouco mais tranquilo por ter conseguido embarcar a Maria e as crianças para casa dos pais dela. Achamos melhor eles ficarem lá até conseguirmos embarcar para o Brasil. Ontem quando fui levá-los ao aeroporto nos deparamos com dezenas de tanques do exército guardando a cidade e o caminho para o aeroporto. Incrível que o único lugar no Cairo que estava engarrafado era o aeroporto. Eram muitas as pessoas deixando o país. Na hora de me despedir deles dei um beijo em cada um e disse que iria dar tudo certo. João me abraçou e disse: Você vai ficar bem não vai Papi? Eu respondi: “Com certeza”. Aí no meio do abraço ele disse ao pé do ouvido: “Papi, Deus ouviu minha Oração para a gente voltar para o Brasil.” Que bom que na perspectiva dele tudo isso está sendo visto como uma resposta de Deus para sua Oração.
 
Os dez dias de protesto no Cairo tem produzido um tempo muito tenso. E quem está aqui e acompanha de perto sabe de coisas que aconteceram que não são noticiadas pela mídia. No segundo dia de protesto quando todos do Governo pensavam que o movimento não daria certo, o povo aderiu à manifestação. O governo então mandou a polícia sair das ruas e abriu todas as cadeias do Cairo para que isso gerasse medo na população e esta não fosse para as ruas protestar, ficando limitada a proteger suas casas dos ladrões que estavam soltos nas ruas do Cairo. Isso fez com que os moradores se armassem colocando barreiras em todas as entradas e saídas das ruas em seus bairros. Ou seja, os moradores começaram a se revezar durante todos os dias para tomar conta de suas casas por conta dos saques. Não era possível andar mais de 300 metros sem que seu carro fosse parado e você comprovasse que o carro era seu e se você de fato morava no local por meio de identificação. O clima só melhorou quando o exército tomou novamente as ruas do Cairo. Por muitas noites ouvimos muitos tiros e correria próximo à nossa casa.
 
Mesmo tendo trabalhado no Borel por tanto tempo foi um pouco assustador estar neste cenário. Acho que o maior medo é estar em outra Nação e em outra cultura. Por algumas noites, dormi na sala armado com um pedaço de madeira para prevenir uma visita inesperada.
 
Um dia antes da batalha de pedras eu estive na Praça onde houve a manifestação, não podia ir sozinho por isso fomos eu e Paulo juntamente com um dos meninos que trabalha com a gente no deserto. Estava ansioso em meu coração para chegar naquele lugar e participar de algo que julgava ser legítimo. No caminho falava com Paulo sobre as manifestações em 1984 pelas “DIRETAS JÁ” no Rio de Janeiro. Eu estava lá! Falei para ele que em 1964 quando eu nasci, estava acontecendo uma revolução no Brasil. Acho que estava ansioso para chegar logo naquela praça e estar com aquelas pessoas. Acho que por um lado eu sabia o que eles estavam sentindo, mas por outro lado, sabia que no fundo a única promessa para uma mudança plena nesta Nação está em 2 Crônicas 7:14. E andando no meio daquela multidão pude ver fileiras de homens e mulheres se curvando para adorar a Alá. Era algo pacífico, era possível ver mulheres, crianças e jovens, era algo que de fato impressionava. Vi faixas que me chamaram a atenção que diziam: “Só retrocedemos para Deus.” Contudo, a que mais mexeu comigo foi a que meu amigo estava levando em uma folha de cartolina. Quando o vi com aquela faixa em Árabe queria logo saber o que estava escrito, e ele traduziu pra mim: “O Caminho no momento está escuro, se eu e você não nos queimarmos, quem irá iluminar o Caminho.” Pedi a ele a faixa, pois queria guardar pra mim, queria fazer um quadro.
 
E ontem ao ver todo aquele tumulto, não conseguia entender esse deus a quem eles se curvam. Me doeu vê-los se agredindo e saber que estavam numa manifestação pacífica, e mais difícil ainda era saber que tudo foi maquinado uma vez mais por aqueles que deveriam proteger o povo e não cumpriram seu papel.
 
Como escrevi acima, existe uma promessa, porém ela tem um preço. E o preço é: “Se o meu povo que se chama pelo meu nome, se humilhar e orar, se buscar a minha face, se o meu povo que se chama pelo meu nome, dos seus caminhos maus se desviar, eu ouvirei, eu perdoarei sua terra e a sararei.” E quem conhece um pouco mais sabe que existe uma promessa para o Egito em Isaías 19. Hoje é um dia chave para toda essa manifestação, pela manhã quando fui andar, fiquei pensando em tudo o que está acontecendo e chorei por saber que muitos jovens já morreram durante os protestos. Talvez eles tenham desejado tornar-se uma tocha para iluminar esse caminho que no momento está escuro e infelizmente continuará se 2 Crônicas 7:14 não se tornar uma verdade para essa nova geração.
 
Meu desejo é que tudo termine de forma pacífica e quem saia ganhando seja o povo. Vou ficar por aqui até o final de Fevereiro, até o último dia do meu visto. Espero que ate lá consiga renovar meu visto para mais seis meses. Esta semana vamos tentar retornar ao nosso trabalho com as crianças no deserto e aproveitar as oportunidades que Deus tem nos dado para Amar aquelas pessoas.
 
Obrigado pelo carinho de vocês através dos e-mails enviados para nossa família com palavras que nos encorajam sempre. Com carinho desse carioca ainda no Cairo.

Paz,

Um carioca no Cairo
 
Ore pela finalização dessa manifestação para que o Amor Incondicional de Deus prevaleça.
Ore para que ELE se manifeste através de nossas vidas neste tempo.
Ore pelas pessoas com quem trabalhamos (Os Nicodemos tem se manifestado).
Ore por proteção de nossa equipe.
Ore para que tenhamos sabedoria sobre como falar com as pessoas sobre o que tem acontecido.
Ore pelo nosso retorno e pelas coisas que precisaremos.

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Do Egito, esposa de um carioca no Cairo

Amigos do Bem,

Como é libertador e ao mesmo tempo inspirador poder estar em momento tão histórico e decisivo no Oriente Médio. Quando as pessoas começaram a manifestação contra um certo homem pudemos ver claramente que também estavam se manifestando contra um sistema inteiro que oprime, dita e alimenta diariamente uma visão fatalista que furta a criatividade e iniciativa do indivíduo, obstáculos e barreiras que durante os últimos três anos lutávamos diariamente. Lembro-me como se fosse hoje, o dia em que conversamos sobre o sistema e como a decisão de se submeter é individual e consciente. Hoje a nação está se perguntando e tomando decisões.

Estou orgulhosa dos jovens que mostram sua coragem, que não aceitam o que as gerações anteriores aceitaram como se não existisse a possibilidade de mudança. Abriram uma porta que não há mais como fechar e que mudará para sempre a forma como se “reina” no Oriente Médio. Na praça não havia ricos nem pobres, analfabetos ou universitários, muçulmanos ou cristãos, gente do sul ou do norte, na praça só havia egípcios lutando por sua dignidade como cidadãos.

Obviamente, não é somente derrubando um presidente, mas uma luta também contra o fatalismo, contra a injustiça e uma tremenda vontade de toda uma geração na busca da sua dignidade. Valores baseados em um reino que pertença a VERDADE e que nos abre o caminho para a comunhão com Aquele que nos ama, nosso Criador.

Ele é sempre Bom, independente das circunstâncias, sentimentos e emoções que possamos experimentar. Agradeço a Ele por cada oportunidade que para mim sempre se traduzem em pessoas. A oportunidade de ir além, de abrir ou então fechar portas, de ser sal e de ser luz. Infelizmente muitas vezes somos unicamente o sal e a luz do nosso mundo local, pois não conhecemos nada diferente do que nosso mundo e a nossa realidade.

Em momentos tão decisivos entendo o quanto Ele ama a quem criou e como sempre abre novos caminhos. Ninguém esperava mudanças tão drásticas no que era considerada uma fortaleza humana e que tentava manter e financiar uma paz que somente cabe a Ele nos dar. Ele nos surpreendeu novamente.

É tão bom saber que Ele nos deixou fazer parte dessa mudança, mudança de como vemos o mundo em que vivemos. Desafiamos tantos em amor a tentar um novo caminho, e tivemos respostas incríveis. A VERDADE é real, existe e responde. E com ELE fomos capazes de trazer algumas dessas respostas.

No terceiro dia da Manifestação fui para casa de minha amiga e quando passei em frente à praça não consegui acreditar o que estava vendo. Liguei para Kubat e pedi para ele vir logo. Vimos homens e crianças limpando a praça “armados” com vassouras, sacos de lixo e luvas. Olhei para Kubat que se irritou muitas vezes por ver a praça tão suja e imunda e disse para ele: “Kubat o povo começou acreditar que eles podem ser os donos de seu próprio destino ... eles estão saindo do fatalismo, estão tendo esperança, estão novamente orgulhosos de serem egípcios.”

Há 5 dias estou na Suíça. Por causo dos meninos decidimos de viajar, mas confesso que nessas horas é muito difícil ser mãe para mim. A liberdade de poder estar lá me faz tanta falta agora. Por mais que eu saiba que plantei e que faço parte do movimento da mudança, queria ver com os meus próprios olhos e estar lá com as pessoas que amo. Mas, Ele sabe de todas as coisas, como sempre Ele não precisa de nós por mais que Ele ame co-criar conosco.

Esposa de um carioca no Cairo