Para o sal dar seu sabor, antes é necessário que ele se dissolva. Assim é o amor, não se pode sentir seu sabor sem que alguém se envolva.
 
Há exatos trinta dias, o Bobó estava sendo internado no hospital de Lagos-Nigéria. Mas antes disso, ele peregrinou entre tantos outros hospitais e clinicas. Eu poderia resumir o mês de Fevereiro relatando apenas a nossa rotina diária aqui no hospital.. Poderia! se fôssemos insensíveis o suficiente pra deixar de perceber o impacto que está sendo feito através da nossa demonstração de amor e cuidado pelo pequeno Bobó.

Há mais ou menos um mês atrás o Leonardo ficou detido quando chegou com o Bobó aqui.
Todos estavam loucamente confusos, sem entender ao certo quais eram as intenções do homem branco ao trazer o Bobó pra cá. Imaginaram de tudo, tantos absurdos, tantas suspeitas, tantas insinuações e maldades que praticaram contra o Leo.

A dor e sofrimento do Leo consistiu em preparar o chão para que a semente do amor pudesse ser plantada.

Foi em meio a tantas desconfianças que eu cheguei aqui em Lagos. O Leo já estava no conforto da sua casa; enquanto isso, o povo aqui me olhava de maneira desconfiada. Foi assim as primeiras horas e os primeiros dias.

Uma enfermeira me confessou que estava contando os dias para que nós abandonássemos aquela criança esquelética e adoecida no leito do hospital. Mas os dias se passaram, a dedicação e demonstração de amor e cuidado foram naturalmente sendo manifestados, os corações incrédulos e endurecidos pela ganância que impede que as pessoas possam ver que há sim, outros seres humanos capazes de loucuras pra levar o Amor de forma prática.

O sal começou então a ser diluído, e portanto , começou a dar o seu sabor. As mães que antes riam da forma desajeitada que eu trocava a fralda, da maneira de dar o banho, ou riam da esquisitice de fazer da colher um aviãozinho para estimular o Bobó a comer, então elas começaram a ajudar, a dar dicas de como se deve misturar as sopas africanas com o angu de farinha para facilitar a ingestão. Passaram a dar bronca quando eu trazia biscoitos recheados, doces e pirulitos, pois diziam que aquilo poderia causar diarreia, ou trazer outros problemas de saúde pra ele.


E a solidariedade passou a reinar entre os corredores do hospital. Apesar da falta de humanidade por parte de alguns, ainda assim podia ver surtos de compaixão surgir de lugares inimagináveis. Como por exemplo. O Bobó tem que ficar as noites sozinho no hospital, pois não é permitido que homens durmam no hospital acompanhando os enfermos. Dessa forma, ele fica totalmente só, preso entre as grades do seu pequeno leito.

Nesses últimos dias, eu tenho percebido que ao chegar pela manhã, o Bobó está sempre de banho tomado, fraudas trocadas e alimentado. Agradeci uma das enfermeiras pelo o cuidado, no que eu fui surpreendido ao saber que nenhuma enfermeira dava banho em pacientes, pois isso era trabalho exclusivo dos acompanhantes.

Na noite anterior, durante a madrugada, o Bobó foi acometido de uma diarreia que vazou pela fralda dele sujando todo o lençol e berço. Então o Anjo que cuidava dele se revelou. É uma senhorinha idosa, de sorriso tímido, da tribo dos Urubás, ela não fala Inglês, apenas o seu dialeto tribal, ela é mulçumana e está acompanhando o seu netinho que está enfermo de uma doença irreversível. Todos os dias cedo de manhã, quando o Bobó acorda, ela o limpa e o alimenta com o pouco de leite em pó que ela tem. Fazia tudo isso sem que eu soubesse, sem pedir nada em troca, motivada apenas pelas razões que só Deus sabe quais. Mas eu sinto que a linguagem dela e a nossa é a mesma. Ela é mulher de paz, de fé, de esperança e do Amor.

Ultimamente tenho tido a oportunidade de falar sobre a bruxificação de crianças para todos os que entram e me encontram. Nesses dois últimos dias, a generosidade e paz tem inundado a pediatria. A equipe médica que vai operar o Bobó se reuniu diante do leito dele, ouviram-me relatar toda a história do Bobó e eles decidiram finalmente operá-lo agora na quarta-feira dia 27, depois de tantos cancelamentos e descasos.

O Bosco, Karen e eu deixamos de nos angustiar. Nesses dias nós iremos de leito em leito, apenas orar por cada enfermo, por cada acompanhante, quer sejam Cristãos ou mulçumanos, pois a nossa bandeira eles já sentem qual seja, é a do evangelho do Amor do criador derramado por toda humanidade.

O amor só se confunde com a paciência, esperança e fé, pois é na prática da paciência que o verdadeiro amor encontra o ambiente e o tempo exato pra germinar.

As coisas estão acontecendo lá em Eket, o chão lá está fervendo e outros Bobós clamam por nós.
O Bobó é o protótipo de como devemos nos doar e cuidar de cada criança acusada injustamente de serem bruxas.

Tony Rimualdo
25 de fevereiro de 2013
00:30 a.m | Lua Nova


Fonte: http://caminhonacoes.com/novo/diluindo-o-amor/

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